Seja por influência familiar ou vontade própria, elas abriram o próprio negócio e até mudaram de carreira em nome da paixão pelos carros.
Apesar da presença muito aquém do merecido, as mulheres conquistam mais espaço no setor automotivo, como mostrou a quarta edição da pesquisa Diversidade no Setor Automotivo realizada pela Automotive Business.
Isso também vale para o setor de reparação automotiva, tradicionalmente dominado por homens – e um grande reduto de machismo há décadas.
Se esse cenário ainda está longe de ser transformado, pelo menos algumas mulheres conseguiram romper as barreiras da resistência masculina e mostram toda sua competência nas oficinas.
A oficina mecânica foi a segunda casa de Andreia Justos em boa parte da sua vida. Filha de um mecânico, ela se interessou por aquele universo desde pequena. Tanto que, aos 12 anos, já ajudava seu pai no dia-a-dia. Da forma que podia, é claro.
“Ele pedia pra eu colocar gasolina no carburador e fazer pequenas coisas que me faziam sentir maravilhosa! Sempre fui muito curiosa e passava o dia perguntando tudo para os funcionários da oficina. Alguns respondiam e outros não”, recorda.
Após ser criticada pela vontade de ser mecânica (“queriam que eu fosse médica ou advogada”), Andrea tomou uma decisão radical: deixou a casa dos pais com 15 anos de idade para buscar sua independência financeira e realizar o sonho de sua vida.
“Por um ano eu trabalhei na Feira da Madrugada vendendo todo tipo de mercadoria lícita para juntar meu próprio dinheiro e comprar minhas primeiras ferramentas até conseguir adquirir um pequeno lote de ferramentas usadas”.
Com o dinheiro que conseguiu juntar, Andrea alugou um pequeno terreno na comunidade onde morava e começou a mexer com carros aos 16 anos. Lembra com carinho do primeiro automóvel que atendeu. “Foi um Celta e eu ganhei R$ 60 para trocar velas e bobina”.
O início foi bastante complicado. “Não era todo mundo que queria dar uma oportunidade para uma garota tão jovem”, lembra. Aos poucos, porém, a situação melhorou e, dois anos depois, ela alugou um pequeno galpão onde montaria sua primeira oficina. Depois disso ainda abriria outros dois negócios.
Hoje, a empresária afirma que 90% de sua clientela é formada por mulheres.
“Muitas clientes me procuram dizendo que foram assediadas ou enganadas e, com isso, elas acabam delegando outras pessoas para levarem o carro até a oficina, algo que elas mesmas poderiam fazer”.
Para entender melhor as necessidades de suas clientes, Andrea procura se colocar na posição de alguém que não sabe nada de mecânica
“Eu tento transmitir segurança e transparência para fazer com que elas se sintam acolhidas antes de fechar negócio. Gosto de fazer esse atendimento primário para que elas entendam, de fato, o que está acontecendo”.
Andrea decorou sua oficina do jeito que sempre quis. Além da fachada na cor rosa, montou um espaço aconchegante para que suas clientes possam tomar um café e relaxar enquanto aguardam pelo serviço.
“Não preciso trabalhar suja de graxa para mostrar que sou uma boa mecânica. Não preciso provar nada para ninguém”, diz Andrea Justos, mecânica e proprietária de oficina.
Ela diz que ainda precisa lidar com bastante preconceito, mas que isso não a preocupa mais. Andrea procura fazer seu trabalho com seriedade e profissionalismo, sem deixar a vaidade de lado.
“Eu visto rosa e trabalho com minhas unhas feitas. Uso cremes e a luva química, que protege minha pele de manchas por contato com óleo. Além disso, procuro sempre lavar as mãos e hidratá-las constantemente”.
Infelizmente, nem todas as mulheres tiveram a oportunidade (ou a liberdade) de trabalhar com mecânica desde a juventude. Formada em Direito, Paula Mascari até fez pós-graduação na área, mas não se sentia feliz na profissão.
Apaixonada por carros desde os 6 anos. Paula diz que não ter sido influenciada por ninguém. Após decidir mudar de carreira, ela se matriculou em um curso de mecânica e se atualiza constantemente desde então. Ao mesmo tempo, a ex-advogada comprou um Volkswagen Voyage e decidiu turbiná-lo.
“Sempre sonhei em ter um carro turbinado e os ‘quadrados’ (apelidos dado aos modelos da VW dos anos 80 e 90) marcaram muito minha adolescência. Eu mesma estou fazendo toda a preparação”, diz Paula.
Todas as lições aprendidas por Paula são colocadas em prática na garagem de sua casa, que foi devidamente convertida em uma oficina. O espaço recebeu novos convidados nos últimos anos. Hoje, a pequena frota tem o Voyage (que até nome ganhou, Gambi), um Ford Ka 1.0 e o caçula da turma, um BMW 325i 1992.
“Trocar o Direito pela minha grande paixão, que é a mecânica, foi a melhor decisão que já tomei na vida”, conta Paula Mascari, mecânica de preparação de motores.
Além de botar a mão na massa (ou melhor, na graxa), Paula trabalha esporadicamente como mecânica de competição. Participou de uma equipe formada apenas por mulheres e já atuou em etapas da Copa Truck e Porsche Cup, fora o trabalho mais recente nas Mil Milhas de 2024.
Em meio à agenda concorrida, ela também participa de eventos do setor de reparação automotiva, seja como visitante, convidada ou embaixadora das marcas Monroe e Lubrax.
Apesar da rotina tumultuada, Paula diz não sentir saudade alguma da vida de advogada. E, assim como Andreia, acredita que a mulher está conquistando mais espaço no universo da mecânica, embora muita coisa ainda precise mudar.
“Claro que ainda temos muitos desafios para vencer, mas hoje o mercado está mais atento para o tanto que as mulheres podem acrescentar em seus negócios, inclusive com características femininas muito específicas que ajudam em alguns negócios, como o cuidado aos detalhes e o maior carinho no atendimento. Tudo isso agrega muito ao mercado automotivo“, conclui.
Fonte: Automotive Business