Se a convergência entre os dois segmentos já está em curso, nos próximos anos deve ganhar ainda mais ritmo.
Recente pesquisa global realizada pela KPMG sobre o segmento de semicondutores apontou que o setor automotivo emergirá como o segundo mais promissor em geração de receitas no próximo ano. Impactante? Sim, de fato, há anos, o mercado de aparelhos sem fio tem sido o que mais investe em semicondutores. Então, é realmente surpreendente o fato de que o segmento de chips automotivos alcance a cifra de US$ 200 bilhões anuais globalmente.
Trata-se uma cifra relevante e que evidencia a convergência cada vez maior entre os mercados de tecnologia e automotivo. Passamos a ter supercomputadores sobre rodas e as fábricas se tornaram altamente sofisticadas e conectadas. Em outras palavras, é isso o que acontece na indústria automotiva.
Considerados vilões dos últimos meses em função do impacto causado pela falta do produto nas linhas de produção, os semicondutores têm uso intensivo nos veículos. São responsáveis pelo comando que aciona a abertura da porta do carro, pelo acesso ao sistema de conectividade e entretenimento e por todo o sistema de segurança. Além disso, são os componentes mais críticos hoje de uma economia global digitalizada.
Outro grande fenômeno que começa a aparecer no setor automotivo e que requer o uso intenso de tecnologia é a entrega feita pelos grandes varejistas, através de serviços autônomos, a chamada “self driving delivery”. Pequenos veículos – drones – estarão por toda a parte entregando e prestando serviço para os consumidores.
Os grandes eventos de tecnologia como, por exemplo, o CES (Consumer Electronics Show) têm uma agenda focada no setor automotivo. Esses encontros impressionam não apenas pelo nível de investimento das montadoras em pesquisa e desenvolvimento, mas também porque constatamos o investimento que todo o Vale do Silício tem feito no desenvolvimento de soluções para a indústria automotiva e a quantidade de capital de risco (venture capital) e de fundos de private equity apostando na convergência dos dois segmentos e apontando o futuro de crescimento de ambos os setores.
Nos próximos dois anos, haverá uma enorme diferença na tecnologia dos veículos que será muito mais avançada. Mais tecnologia sim, cada vez mais tecnologia embarcada. Lógico que isso vai acarretar preços mais elevados. Em função disso, o paradoxo que certamente aparecerá será o seguinte: comprar ou alugar carros? Tópico para um outro artigo.
Outro ponto importante é com relação à perspectiva de segurança no uso do veículo. A probabilidade de o condutor bater em um carro simplesmente irá ser reduzida. Os novos carros serão muito mais seguros porque haverá sensores ópticos. Que tal imaginar a inclusão de oito a dez câmeras na maioria dos veículos novos? Haverá ainda unidades de processamento gráfico, com algoritmos de aprendizado profundo. Tudo isso em prol de mais segurança.
Futuramente, os veículos contarão ainda com a tecnologia chamada Lidar (Light Detection and Ranging), que são pulsos de luz que poderão identificar um objeto a 200 metros de distância ou mais. Trata- se de uma espécie de sonar que funcionará como radar dentro do veículo para um nível incrível de segurança e de autonomia ao longo do tempo.
Podemos citar ainda o uso da tecnologia de quinta geração que será fundamental para o funcionamento do setor automotivo. A entrada do 5G no Brasil será uma grande aliada do processo de convergência que falamos até agora. Será crítico. Estamos nos referindo à segurança, à capacidade de os automóveis se comunicarem uns com os outros, de um telefone celular e dos carros terem acesso a sensores na estrada e de veículos enviarem dados para armazenamento em nuvem e vice-versa. Esse processo acontecerá de maneira eficiente, o suficiente para que essas informações não precisem ser armazenadas no veículo.
Outra perspectiva importante sobre a convergência dos dois mundos e que tem tido um impacto importante é a questão da disponibilidade de profissionais para atuarem nessa área. Assunto esse que já está no topo da lista de preocupações do setor de tecnologia há muito tempo em função da alta demanda de trabalho e da baixa oferta de engenheiros de software, cientistas de dados e da computação e especialistas em pesquisa e desenvolvimento .
O que estamos vendo é que não são mais apenas as grandes empresas de tecnologia que está buscando no mercado de trabalho esses profissionais. Estamos vendo que o setor automotivo está se preparando para receber esses talentos tecnológicos e se reorganizando totalmente para serem atrativas, criativas, reterem especialistas e conseguirem atender a necessidades específicas. A tecnologia embarcada nos carros é o grande diferencial hoje. Para que isso seja viabilizado, a indústria irá demandar recursos humanos.
Em suma, estamos nos estágios iniciais de convergência entre os setores de tecnologia e automotivo e ainda há muito a ser feito. Quando nos referirmos a veículos, teremos supercomputadores sobre rodas e será difícil percebemos que estamos apenas dirigindo carros.
Flávia Spadafora é sócia líder do segmento automotivo da KPMG no Brasil. Atua na América do Sul apoiando as empresas a superarem seus objetivos através de consultoria de negócios, impostos e tecnologia. Participa ativamente das discussões do segmento com relação à inovação, 5G, matriz energética, mobilidade e ESG. Flávia tem mais de 20 anos de experiência no mercado de tecnologia atendendo empresas do setor industrial.
Fonte: Automotive Business