Empresas também se beneficiam de descontos para compras de carros em
grandes quantidades
As três maiores locadoras de veículos do país –Localiza, Unidas e Movida– faturam mais com a revenda de seminovos do que com a locação de veículos. A receita dessas vendas varia de 51% a 60% do faturamento bruto dessas empresas, segundo os balanços da companhia referentes a 2019.
O setor é o principal cliente da venda direta, na qual empresas em geral e outros públicos (como pessoas com deficiência e taxistas) podem comprar carros diretamente das montadoras, com benefícios fiscais como alíquotas mais baixas de ICMS e IPI
As locadoras também se beneficiam de descontos que conseguem das montadoras devido às compras em grandes quantidades. Como colocam o carro à venda no setor de usados a preço de mercado, conseguem obter margens de lucro maiores que os demais revendedores
“Conseguem descontos de 15%, ou até mais, em modelos novos que têm vendas mais fracas no varejo. Esses carros rodam na locadora por um tempo e depois são vendidos ao consumidor final ou a concessionárias se a atratividade do carro é menor”, diz Milad Kalume, gerente de desenvolvimento da consultoria Jato.
A modalidade da venda direta cresce de modo constante desde o início da crise econômica e tem como maiores clientes as locadoras de veículos, na esteira da procura por motoristas de aplicativos. Em 2019, representava 45,7% dos emplacamentos no país.
O setor, segundo a Abla (associação das locadoras), é responsável por 20% das compras de carros novos no país –44% de todas as vendas diretas.
As três maiores locadoras responderam por 14,88% de todos emplacamentos de 2019, Juntas, compraram 288 mil veículos.
Segundo o advogado tributarista Rodrigo Prado Gonçalves, sócio do escritório Felsberg, as locadoras não recolhem o ICMS na revenda dos carros por se tratar de ativo imobilizado, sobre o qual não há a incidência desse imposto.
Os incentivos fiscais que beneficiam o setor, porém, têm sido alvo de reclamações. A Fenabrave afirma que as locadoras vendem os usados a preços mais baixos graças aos descontos que têm, o que pressiona as margens do setor como um todo.
“Também compramos na fonte, mas pagamos ICMS (na revenda). Locadoras, quando vendem, são isentas. É uma assimetria”, diz Alarico Assumpção Júnior, presidente da Fenabrave.
As discussões chegaram ao Congresso. Há um projeto de lei do deputado Mario Heringer (PTD-MG) para ampliar o tempo que a locadora deve ficar com o carro antes de poder revendê-lo sem perder o benefício fiscal dos atuais 12 meses para 24 meses.
Essa regra, diz Luca Salvoni, tributarista sócio do Cascione, não é exclusiva de locadoras e pode ser aproveitada por empresas em geral.
Na prática, diz o deputado Heringer, não há controle sobre o prazo mínimo para revenda. “Virou uma bagunça, até porque não existe lei que restrinja, é um acordo. E quem cumpre acordo no Brasil?”, diz.
O deputado usa dados da Fenabrave que apontam que só com o IPI menor para venda direta a União deixou de arrecadar cerca de R$ 2,4 bilhões em 2019 para defender o projeto.
A federação, porém, é contra o projeto de Heringer e defende a manutenção do prazo mínimo de vendas em 12 meses. “O que defendemos é uma fiscalização dos estados para que esse prazo [de 12 meses] seja cumprido. Há empresas que não respeitam esse tempo mínimo”, afirma Alarico.
São Paulo, Minas Gerais e Paraná, que concentram sedes ou grande parte das operações das principais locadoras, afirmam cobrar 12% de ICMS na venda direta de veículos.
O Paraná, entretanto, afirma que não houve fiscalização nesse setor em 2019. A Secretaria da Fazenda de São Paulo afirmou que fiscaliza as empresas do setor para verificar as operações de revenda. Já a Receita Estadual de Minas Gerais diz manter o contínuo monitoramento e autuar quando há irregularidade.
Já a Receita Estadual de Minas Gerais diz manter o contínuo monitoramento e autuar quando há irregularidade.
“A operação cadastro único, em setembro, autuou oito locadoras nas quais havia indícios de venda dos veículos por meio de ‘contratos de gaveta'”, disse o órgão em nota.
A Abla (associação das locadoras) diz que as locadoras precisam vender seus carros usados para renovar seus ativos e que essa venda é feita pela tabela Fipe.
“A venda de veículos para renovação de frota tende a superar o valor de faturamento com locação na medida em que, na venda do veículo, é recebido o valor integral do bem, e na locação é recebida somente uma fração do valor”, diz a associação.
Especialistas, no entanto, afirmam que, como o resultado da venda de seminovos já passa da metade do faturamento das locadoras, seria necessário uma revisão do modelo de negócio e das isenções às quais o setor tem acesso.
A Localiza , maior empresa do setor, questiona no Supremo Tribunal Federal o prazo de 12 meses para revenda. Pede para poder comercializar os carros antes disso sem pagar o tributo.
“O argumento é que o convênio é inconstitucional, pois bens do ativo imobilizado não são [considerados] mercadorias”, afirma o advogado Rodrigo Prado Gonçalves.
O atual secretário Especial de Desestatização do governo Bolsonaro, Salim Mattar, é um dos sócios da Localiza. Seu irmão, Eugenio Mattar, é o atual diretor-executivo da companhia. Sua família detém 10,83% das ações.
A idade média dos veículos nas locadoras gira em torno de 17 meses, segundo a Abla, que justifica a troca de frota pela busca, por parte dos usuários, de veículos com mais tecnologia e menos consumo.
A Associação Nacional de Empresas de Aluguel de Veículos disse que o projeto do deputado Mario Heringer (PTD-MG) causaria impactos “negativos e profundos na indústria automotiva” porque reduziria a troca das frotas, causando redução no ritmo de produção e vendas das montadoras e, por consequência, demissão de trabalhadores”.
Por Folha de São Paulo