Entenda como o bom trabalho de marketing, produto e planejamento fez a marca superar a crise dos semicondutores e chegar à liderança
Quanta sorte tem a Fiat, não?! No ranking dos carros mais vendidos de maio, a montadora conseguiu emplacar as 3 primeiras posições (Argo, Strada e Mobi, na ordem) e ainda liderou entre as marcas, com 23,1% do mercado, contra 16,5% da Volkswagen e 9,9% da Chevrolet.
Muita gente faz questão de lembrar que a Fiat só dominou as duas listas do mês porque a linha de montagem do Onix em Gravataí (RS) está parada desde março. A pandemia fez sumir do mercado os semicondutores usados na fabricação de componentes eletrônicos. Não fosse isso, o modelo da GM seria líder entre os carros e a Chevrolet entre as marcas, como era em dezembro de 2020, quando a crise dos microchips começou a se agravar.
Mas vou contar um segredo: essa liderança não tem a ver com sorte. Na verdade, estava quase planejada. Sabe a razão? Porque a Fiat fez a lição de casa, tanto antes da pandemia quanto depois. Afinal, a mesma escassez de semicondutores que atinge a GM afeta todas os outros fabricantes da indústria automotiva.
O que estamos vendo hoje é o resultado de um bom trabalho da montadora em três áreas distintas: marketing, produto e planejamento. Todas alinhadas com o mesmo objetivo, dentro de um plano de ação estratégico que começou a ganhar forma no ano passado.
Poucos devem lembrar, mas a partir de julho de 2020 a Fiat anunciou a mudança do seu logotipo (sai o círculo vermelho, entra só a tipografia do nome), adotou um novo slogan (“A paixão move”) e mudou sua linguagem visual e de comunicação.
Em paralelo, iniciou um intenso processo de renovação dentro das concessionárias: fachadas reformuladas, foco na experiência digital do cliente e treinamento da rede.
O segundo pilar foi a mudança dos produtos oferecidos ao consumidor. A Fiat fez sua história no Brasil como fabricante de modelos pequenos e baratos. Quando decidiu vender automóveis mais sofisticados, o grande público rejeitou. Foi assim com Bravo, Stilo, Marea e Linea. O Tempra quase chegou lá.
Hoje em dia já não dá mais para ganhar dinheiro apostando apenas nos carros de entrada. Lucratividade é o novo nome do jogo. Melhor vender menos, mas vender mais caro. Com isso em mente, a Fiat começou a desenhar um novo portfólio.
Lançada em julho de 2020, a nova Strada deixou de ser apenas uma picape de trabalho e virou quase automóvel de passeio, com uma boa dose de conforto e tecnologia.
A Toro estreou em abril passado seguindo a mesma lógica, porém ainda mais cara. Na última semana, a Fiat apresentou o Pulse, seu SUV compacto que deve chegar em agosto. E em fevereiro de 2022 vem um novo SUV maior, feito sobre a plataforma do Pulse.
A readequação da linha incluiu também a alteração dos velhos conhecidos. A meta era reduzir custos de produção e ao mesmo tempo entregar carros mais alinhados aos desejos do cliente. O Argo Trekking encaixa-se nesse raciocínio: muito mais barato de ser lançado do que um modelo 100% novo e mais atraente para quem ainda não pode comprar um SUV.
Há também a linha S-Design de Argo e Cronos, que entrega um visual renovado e mais equipamentos com poucas modificações na produção. E todo nós sabemos que carros mais equipados significam maior margem de lucro para a empresa.
Até o antes rejeitado Mobi passou pela autoanálise. Ganhou mais itens de série e perdeu a preocupação de ser o automóvel mais barato do Brasil. A resposta veio logo: ele que era o 15ª mais vendido ao final de 2020 passou a ser o terceiro do mercado.
Quando veio a fase aguda da pandemia, a partir do fim de março de 2020, que fechou fábricas e concessionárias, o desespero se instalou entre as montadoras. Será que a economia se recuperaria no meio do ano? No fim? Só em 2021?
Enquanto fabricantes reduziram seus pedidos aos fornecedores, a Fiat manteve boa parte dos planos. Otimista, a empresa acreditava que o mercado se recuperaria e viu na crise uma oportunidade.
Quando a escassez de peças – e não apenas de eletrônicos – se agravou, ela decidiu que deveria fazer de tudo para não parar a produção, mesmo que isso reduzisse a lucratividade de alguns modelos.
É claro que também ajudou o fato de Argo e Mobi terem menor número de componentes eletrônicos do que o Onix – estima-se que seja metade. Por outro lado, os dois veículos da Fiat somados venderam em maio quase o triplo da linha Onix (sedã e hatch). Além disso, Strada e Toro também têm nível elevado de itens tecnológicos.
Para não interromper sua produção, a Fiat buscou alternativas em materiais e equipamentos para substituir os que estavam em falta, mandou trazer peças de avião, encontrou fornecedores em mercados de menor tradição ou em países mais distantes e pagou mais caro por alguns insumos. Valia tudo para manter a linha de montagem funcionando.
É necessário lembrar que todo esse processo foi feito sempre em conjunto com a Jeep, marca que também pertence ao Grupo Stellantis (as outras são Peugeot, Citroën e Ram). Em vez de ser concorrente, a Jeep tornou-se aliada da Fiat, de modo que sua produção e portfólio fossem o mais complementar possível.
O resultado está aí. A Fiat vem ganhando mercado com uma rapidez impressionante. Ela fechou o ano de 2019 com 13,8% de participação entre os automóveis e comerciais leves. No acumulado de janeiro a maio deste ano, ela já tem 21,4%. Abocanhar 7,6 pontos percentuais em um ano e meio é um resultado espantoso. Isso quer dizer que em pouquíssimo tempo a Fiat ganhou uma Toyota inteira, que detém 7,4% do ranking neste ano.
Por falar na marca japonesa, ela é outra montadora que fez muito bem a lição de casa na pandemia. De janeiro a maio, a Toyota conseguiu aumentar suas vendas em todos os meses deste ano. Um trabalho muito bem-feito com seus fornecedores impediu que a produção parasse e aumentou sua participação no mercado, que subiu de 6,3% em janeiro para 8,9% em maio. Porém não se compara à dimensão do resultado da Fiat.
Portanto, quando alguém disser que a Fiat teve sorte, você já sabe o que responder.
Fonte: Autopapo UOL – por Zeca Chaves