Carros puramente elétricos não são a única solução para a descarbonização no Brasil
A viabilidade do setor automotivo brasileiro com foco na mobilidade sustentável dependerá da correta orientação de futuro que a nova política setorial irá trazer. O Brasil precisa investir em regulação para direcionar o futuro.
A indústria automotiva global nunca esteve exposta a tantos movimentos disruptivos de impacto tecnológico como os vividos neste século e que, diretamente, impactam a escala do setor. Além da descarbonização, outras frentes em aceleração competem por parcelas do investimento como os relacionados às regulamentações de segurança e de emissões, de conectividade, de digitalização e o futuro dos veículos autônomos.
De todos estes, o que mais tem sido debatido globalmente, inclusive com destaques diários na mídia, é o relacionado ao futuro dos sistemas de propulsão que já consolidou a ideia questionável de que a eletrificação, sem sombra de dúvidas é o futuro. E está ficando cada dia mais claro que os veículos puramente elétricos não serão a salvação da lavoura.
Os principais mercados do mundo começam a cair na real e entender que o remédio para salvar o paciente não é matá-lo, no caso os motores a combustão, e sim alinhar o futuro da mobilidade sustentável às características de cada mercado. É preciso levar em conta a capacidade de compra dos consumidores e o potencial de investimento dos governos de cada região.
No caso do Brasil, a orientação da política setorial em debate no momento para definição do caminho que vamos seguir será fundamental para que os players possam ter previsibilidade e se adequar à escala que precisamos no médio prazo para solucionar os desafios imediatos da indústria e na continuidade disso, se preparando para a nova realidade da eletrificação.
Enquanto é ponto pacífico que o futuro da mobilidade é a eletrificação e que devemos preparar o setor automotivo brasileiro para isso, é claro também que a nossa transição será diferente da de outras regiões. Diante disso, os legisladores precisam considerar as características dos consumidores e as alternativas energéticas sustentáveis de que dispomos.
No Brasil, no curto prazo a solução híbrida flex é a que mais benefícios trará ao consumidor. Ela contribuirá para que não só olhemos para o ambiental, mas também para o social e econômico, uma vez que a infraestrutura produtiva e os recursos da cadeia de suprimentos sofrerão menos impactos durante a transição para uma eletrificação mais pesada dos veículos.
No médio prazo, estarmos preparados para veículos híbridos plug-in flex nos parece a complementação ideal para o portfólio de veículos a serem ofertados aos consumidores brasileiros. Por este caminho, traremos melhor custo-benefício na mitigação dos gases de efeito estufa.
Tomando-se por base a matriz energética limpa de que dispomos, um veículo híbrido flex rodando com etanol emite 34g CO2e/km. Sua versão plug in rodando com o mesmo combustível, 23g CO2e/km – volumes bastante interessante na comparação com um veículo elétrico puro, que emite 21g CO2e/km considerando a matriz elétrica brasileira.
Mobilidade sustentável, como o próprio nome diz, tem de considerar não só a emissão do veículo, mas também os materiais e a transformação envolvidos em sua fabricação. Um BEV na média carrega uma bateria entre 50 e 70 KWh, enquanto a de um híbrido plug in tem 15/18 KWH. Ou seja, com bateria 70% menor conseguimos emissão apenas 10% maior sem a necessidade dos massivos investimentos em infraestrutura de carregamento.
Todo momento de disruptura tecnológica, como é o que vivemos em relação à eletrificação dos veículos, traz riscos enormes ao setor industrial e a necessidade de tomar decisões hoje apostando em tecnologias de ion-lítio, com investimentos de mais de U$ 100 bilhões em gigafactories é um deles: baterias de estado sólido estão florescendo, com menor custo, maior densidade energética e menor risco – algo que pode mudar completamente o jogo de suprimentos no mundo. Para um país como o Brasil no estágio inicial da eletrificação, em qual alternativa apostar? E o hidrogênio a partir de fontes limpas desponta como uma solução de alto valor agregado.
Os veículos a serem lançados em 2025 já estão prontos e os destinados a 2027, muito avançados, o que faz com que a assertividade dos legisladores para as próximas fases do programa Rota 2030 precise alta, principalmente com relação à adequação de metas, incentivos e do modelo de tributação. O debate sobre a nova política não foi aprofundado e está mais uma vez atrasado, o que eleva a incerteza do mercado sobre decisões de investimento.
O mercado de veículos leves no Brasil tem andado de lado no patamar de 2 milhões de unidades há três anos impactado pela pandemia, crise de componentes, renda e juros altos. Precisamos encontrar meios de agregar 1 milhão de veículos ao mercado atual até 2030 para termos uma indústria sustentável. Adicionalmente, garantir a escala para o mercado eletrificado do futuro.
A regulação, apesar das críticas, tem-se mostrado fundamental para a evolução tecnológica do setor. Em segurança, tiramos um atraso em relação aos mercados desenvolvidos de 15 anos em 2010 para menos de 5 hoje. Os veículos evoluíram em eficiência energética no Brasil 6% em 7 anos e, a partir dos programas Inovar-Auto e Rota 2030, evoluímos adicionais 25% em 10 anos.
A legislação atual, no entanto, trata das vendas de veículos novos e deixa a frota de 46 milhões de veículos com mais de 12 anos de idade ao léu. Uma frota mal mantida polui, é responsável por doenças e mortes em acidentes de trânsito, que consomem mais de R$ 50 bilhões por ano. É premente a regulação de um programa de reciclagem de veículos que seja estruturante e permanente, pois continuamos tratando de programas de subsídios à compra de veículos buscando algo inalcançável pois não existe e nunca existirá dinheiro para suportá-los.
E, se quisermos ser efetivos em desenvolvimento, precisamos urgentemente reestruturar os programas de P&D, exigindo celeridade e a boa aplicação dos recursos com resultado.
A política setorial deve ser orientada para uma reorganização industrial e uma eletrificação mais pesada já a partir do meio da década – mas o carro baterizado não é e nunca será a única solução.
Fonte: Automotive Business