Novos hábitos de consumo e até a crise econômica explicam o movimento
O mercado automotivo brasileiro vive duas situações radicalmente opostas. De um lado, as montadoras sofrem com a queda das vendas de veículos novos — apenas no primeiro trimestre, o tombo foi de 23,2% em termos comparativos anuais, o pior resultado para o período desde 2006. De outro, as locadoras ignoram a crise e pisam forte no acelerador. Nos três primeiros meses de 2022, a frota de carros e comerciais leves nas mãos dessas empresas chegou a 1,17 milhão de unidades, um avanço de 3,2% em apenas três meses. Ao longo de 2021, a atividade faturou 23,5 bilhões de reais no país, ou 33,5% a mais do que em 2020. “Muitas pessoas estão deixando de comprar carro para alugar”, disse a VEJA Renato Franklin, CEO da Movida, uma das líderes desse segmento. “Nos Estados Unidos e na Europa, o leasing já é responsável por 50% das vendas.”
O movimento global começou a ganhar tração no Brasil nos últimos três anos. Diversos fatores explicam o fenômeno. Ter o próprio carro já foi o maior sonho de toda uma geração, símbolo de independência e realização profissional. Mas a roda girou e acabou levando os hábitos de consumo para novas direções. Em vez de ter carro, muita gente prefere compartilhar ou, quem sabe, alugar apenas nas ocasiões em que ele seja estritamente necessário. Há algum tempo millennials e integrantes da geração Z não correm mais para tirar a carteira de motorista. Com a popularização dos aplicativos de transporte, ficou mais fácil viver sem o carro próprio, especialmente nas grandes metrópoles. Na hora de viajar, basta alugar — e é aí que as locadoras entram.
Questões ambientais, algo que também está expresso nos anseios de consumo das novas gerações, são levadas em conta na estratégia das locadoras. Mais do que qualquer outro ramo de negócios, são elas que impulsionam os veículos elétricos no Brasil. Recentemente, a Movida assinou com a chinesa BYD um contrato de 100 milhões de reais para a compra de 250 automóveis movidos a eletricidade. Os novos veículos deverão chegar às lojas neste mês de maio e se juntarão aos cerca de 600 eletrificados que já fazem parte da frota da empresa. Na Unidas, a meta é adquirir ao menos 2 000 carros elétricos em 2022 e chegar a um total de 2 600 veículos desse tipo até o fim do ano.
Fatores associados à economia brasileira também explicam o bom desempenho das locadoras. “Com a perda do poder de compra decorrente da pandemia e a desvalorização do dólar, o consumidor busca os mesmos produtos de sempre, mas de forma mais acessível”, afirma Antônio Jorge Martins, coordenador dos cursos automotivos da Fundação Getulio Vargas. “É o que acontece com a assinatura de veículos.” Ou seja: sem dinheiro para comprar o carro, a saída pode ser fechar pacotes mensais.
Parte do sucesso atual das locadoras decorre, de fato, do modelo por assinatura. Por esse sistema, usado inclusive por algumas montadoras, o cliente escolhe entre os veículos disponíveis, define o período de duração do contrato e espera o carro zero-quilômetro chegar da fábrica. E pronto. Não é preciso dar entrada, pagar IPVA ou fazer seguro do automóvel. Está tudo incluso no valor mensal. Se houver a necessidade de assistência, o cliente também aciona a locadora, livrando-se dos aborrecimentos que costumam aparecer na procura por serviços de mecânico. O preço médio das parcelas mensais fica entre 2 500 e 3 000 reais para alguns dos modelos mais vendidos do país, como o Fiat Strada e o Volkswagen T-Cross. Veículos de luxo também fazem parte do portfólio das locadores, como o BMW X3 (mensalidade de 10 000 reais) ou o Audi e-tron (15 000 reais). Nesses casos, as locadoras encomendam os veículos diretamente às montadoras, o que traz algum alívio para a indústria automotiva nacional. O avanço da locação de carros é o retrato da nova era da mobilidade. Os automóveis não desaparecerão, mas boa parte da frota será usada de um jeito diferente. O aluguel é o mais promissor deles.
Fonte: Veja